Quando a Festa era de REIS
Sempre que chega essa época, minha mente se apega ao sabor das verdadeiras festas
Sempre que posso, volto no tempo e experimento as
sensações que me encantaram. Ainda aproveito e bebo das mentes sabeis, daqueles
que já viverem momentos que por força da idade não vivi. Quando se aproxima a
Festa de Reis, vem na memória um modelo diferente de agora, voltado à
tradicionalidade e religiosidade popular. Quase tudo se perdeu ou resta
empoeirado nas gavetas de arquivos mais diversos.
A Festa de Reis era uma grande festividade. Sim: não na
proporção da medíocre necessidade de se apostar em grandes atrações e só dos
dias de hoje, mas na quantidade de manifestações populares que existiam. Contam
os mais antigos que as pessoas preparavam as melhores roupas para participar da
procissão: mulheres compravam fazendas coloridas e enviavam para as
costureiras. Já os homens de mais posses acorriam aos alfaiates de Caruaru para
preparar vistoso terno. O ponto alto era a igreja, que recebia uma linda
decoração iluminada e piscante, chamando atenção de longe. Quando uma praça de
verdade existia no centro, uma grande árvore confeccionada por lâmpadas incandescentes
coloridas com papel celofane completava a decoração. Os parques de diversões
era um misto de canoas, chapéu mexicano, “onda”, rodas gigantes, carrinhos. Minha
avó conta sempre que a “onda” empurrada por movimento dos técnicos – não tinha
energia elétrica na proporção de hoje – levantava poeira, mas era a adrenalina
máxima, fazendo movimentos desafiadores. Eu já sou da geração que encontrou a
energia e as atrações um pouco modernas, mas tive a satisfação de conhecer
elementos que não mais se encontram hoje.
Em alguns anos no mínimo quatro rodas gigantes marcavam
presença, dando ar de superioridade à festa. “A festa de São Joaquim é grande
esse ano, tem quatro rodas gigantes”! diziam as pessoas comparando. E o
pastoril ao lado da Matriz? No decorrer do novenário, as jornadas se sucediam e
o cordão que arrecadava mais dinheiro por sua torcida era a vencedor. O Dia da
Festa era marcado pela Alvorada Festiva e Salva de vinte e um tiros. Exatamente
às cinco da manhã, a banda musical lançava dobrados pelas ruas, enquanto
foguetes “vira-serra” eram soltos. A cidade ia acordando um clima peculiar de
festa e rostos congestionados de sono apareciam nas portas para ver a banda
passar. Quando chegava seis da manhã, o sino da Matriz era vigorosamente
repicado e uma grande girândola de foguetões era convocada para a hora solene.
O dia seguia com o leilão de gado, mais foguetes ao meio-dia. O ponto alto era
a procissão. Moradores das comunidades rurais vinham a pé ou em caminhões.
Crianças vestidas de brancos ou cores diversas. Mulheres e homens com as
melhores roupas. O andor de São Joaquim, caprichosamente envolto em flores
recebia as reverências de anfitrião. Após a missa, já no finalzinho da tarde,
uma multidão devota percorria as ruas, com grande pompa. Foguetes eram acesos a
todo momento e uma grande girândola fazia a saudação maior.
Findas as comemorações religiosas, as pessoas se
espalhavam nas praças para os parques, laça-laça, bancas de apostas, bingos e
não faltavam o alfenim e bolos. Um som colocado na roda gigante ou caixas
dispostas na área do evento tocavam sucessos e mandavam recados, servindo até
de “cupido” para muitos enamorados. Com o passar do tempo, já nos anos 80 do
século passado, os bailes realizados no extinto Clube Municipal 11 de Setembro
atraiam a juventude da época. Na década seguinte, os bailes se transformaram em
shows e foram transferidos para Praça Pública, disputando e vencendo muitas
tradições, sepultando o brilho sereno da festa, sufocando a religiosidade,
massacrando a cultura.
Nos dias atuais os festejos se resumem aos shows.
Apagaram as luzes da igreja, esqueceram os pastoris, as pessoas não caminham
mais a pé por conta dos ladrões, as rodas gigantes são velharias, as canoas
afundaram e só se pensa qual banda de renome vai tocar. Um misto de saudade e
revolta toma o coração de quem viveu a época de ouro da Festa de Reis e quem
sabe, um dia, alguma coisa desse passado bonito possa ao menos ser redesenhada
e ofertar a esta geração um pouco do consolo ingênuo das verdadeiras festas.
___________________José Batista Neto
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